Comissão amplia direito de portar arma e revoga Estatuto do Desarmamento
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 27, por 129 votos a favor e 8 contra o texto-base do projeto que revoga o Estatuto de Desarmamento. O relatório cria em seu lugar o Estatuto de Controle de Armas de Fogo e assegura
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 27, por 129 votos a favor e 8 contra o texto-base do projeto que revoga o Estatuto de Desarmamento.
O relatório cria em seu lugar o Estatuto de Controle de Armas de Fogo e assegura a todos os cidadãos, a partir de 21 anos, o direito de possuir e portar armas, para defesa própria e do patrimônio, bastando cumprir requisitos legais. Deputados e senadores poderão andar armados e pessoas que respondem a inquérito policial ou processo criminal também poderão ter porte.
A autorização para compra de armas baixa de 25 para 21 anos. Atualmente, o Estatuto do Desarmamento estabelece que é preciso justificar a necessidade de ter uma arma, o que é analisado pelas autoridades e pode ser negado. Para entrar em vigor, a medida ainda precisa ser aprovado pelo plenário das Casas.
No trânsito
O substitutivo do deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), um dos 293 integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública, prevê que deputados e senadores podem andar armados. O texto permite ainda que policiais legislativos da Câmara e do Senado andem armados em aviões quando realizam escolta de parlamentares, além de estender o porte de armas em horário de trabalho a agentes de trânsito (marronzinhos) e de medidas socioeducativas - os agentes da Fundação Casa, em São Paulo.
De acordo com o texto, "estando a arma registrada, o seu proprietário terá o direito de mantê-la e portá-la, quando municiada, exclusivamente no interior dos domicílios residenciais, de propriedades rurais e dependências destas e, ainda, de domicílios profissionais, ainda que sem o porte correspondente".
Segundo o relatório, o porte passa a ter validade de dez anos, enquanto hoje é preciso renová-lo a cada três anos. Prevê-se ainda que o cadastro de armas seja gratuito.
O registro e a autorização do porte de armas, hoje tarefa exclusiva da Polícia Federal, passam a ser exercidas também por órgãos de segurança dos Estados e do Distrito Federal. "Ampliar o acesso às armas vai trazer mais assassinatos e não reduzir o número de homicídios no País", criticou o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Especialistas em segurança também rejeitam a proposta.
Em seu relatório, Laudívio Carvalho diz que a revisão do Estatuto do Desarmamento está "restabelecendo o direito universal à posse de armas de fogo". Esse direito teria sido tolhido pelo Estatuto do Desarmamento, em 2003. O parlamentar foi escolhido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Conservador, Cunha tem pautado temas polêmicos que agradam às bancadas "BBB" (bala, Bíblia e boi), respectivamente as bancadas de segurança, evangélica e ruralista.
"A interferência do Estado na esfera privada e na conduta individual dos seus cidadãos há de ter limite. Não pode o Estado sobrepor-se à autonomia da vontade do cidadão, individual e coletivamente, tornando-se o grande tutor. Na verdade, um tirano", diz o relatório. "Na relação custo-benefício, que os marginais conhecem muito bem, os crimes se tornaram mais intensos e cruéis diante de uma sociedade sabidamente desarmada, acoelhada e refém dos delinquentes, que passaram a ser protegidos por uma lei que a eles permite tudo; aos cidadãos de bem, nada."
Paz
"Viva a paz para quem? Uma paz unilateral, na qual a cidadania é desarmada para que os bandidos possam agir 'em paz'?", questiona o parlamentar. "É como se sucessivos governos, incapazes de prover a segurança pessoal e patrimonial dos homens de bem, tivessem feito um pacto com a criminalidade, em uma estranha e inexplicável associação, para tirar dos cidadãos o último recurso para sua defesa pessoal e patrimonial: a arma de fogo."
Promulgado em 2003, o Estatuto do Desarmamento é apontado por especialistas como um dos fatores mais importantes para frear a quantidade de homicídios cometidos com arma de fogo no País. Na época, o número de assassinatos crescia a uma taxa aproximada de 10% ao ano e, após a legislação, ficou estagnado na casa dos 39 mil casos. Na década de vigência do Estatuto, o número só voltou a crescer em 2012, quando chegou a 42,4 mil casos, de acordo com dados do Mapa da Violência "Mortes Matadas por Armas de Fogo", do professor Julio Jacobo Waiselfisz.
Para o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, o projeto que irá à votação no plenário da Câmara "transfigura" a política atual de controle de armas ao "flexibilizar o acesso" a esse tipo de equipamento. "A facilidade para ter armas de fogo passa a ser muito grande. Apesar de se intitular ‘Estatuto do Controle de Armas’, o projeto nada mais é que a flexibilização generalizada, é um liberar geral. Nada mais é que o descontrole de armas."
Marques classificou o Estatuto do Desarmamento como a "única alteração existente no Brasil que conseguiu reverter uma crescente de homicídios". "Numa ferida aberta que é a questão dos homicídios e da violência, o estatuto foi a única medida que o Estado teve para conter esse sangramento. É evidente que ele não pode ser a única medida, não é o remédio para todos os males da violência, mas incontestavelmente foi a única que conseguiu segurar a onda de homicídios", disse.
A legislação atual foi responsável por dificultar o acesso a armas de fogo ao requerer uma justificativa plausível para o porte do equipamento - como ameaça de morte ou por força da profissão -, além de testes técnicos e psicológicos. A análise da justificativa apresentada cabe à Polícia Federal, que emite ou não a autorização para a compra e para o porte da arma. Em 2004, a PF havia concedido 3 mil autorizações de posse, mas viu a quantidade saltar para 18 mil em 2012.
A lei previa restrição ainda mais dura, com a proibição completa da venda de armas e munições para civis, mas acabou revogada em parte após derrota no referendo do desarmamento no ano de 2005. O projeto atual prevê apenas o cumprimento de requisitos burocráticos e técnicos para acesso ao equipamento.
Intimidação
Para o especialista em segurança pública coronel José Vicente da Silva Filho, o projeto passa a falsa sensação de segurança para parte da população. "Se o projeto com o conceito de que devemos armar a população para combater o crime for adiante, seria uma verdadeira tragédia. Vamos só piorar o quadro de violência atual. Não é verdadeira a ideia de que o bandido fica intimidado com a população armada. Isso só traz resultados mais trágicos", disse.
O oficial da reserva da Polícia Militar de São Paulo acredita que o mercado legal de armas alimenta a criminalidade, quando acontecem perdas, furtos ou roubos. "As armas compradas legalmente acabam na mão dos bandidos. São poucas as que vêm pela fronteira. As pessoas se iludem com a ideia de que poderão se defender."
O ex-comandante da PM paulista coronel Carlos Alberto Camargo acredita que mais armas com a população dificulta o trabalho de policiamento, mas pede apoio de políticas públicas mais eficazes.
"O cidadão naturalmente estaria dispensando a arma se sentisse seguro, se percebesse que o Estado está fazendo seu papel, mas o que ele vê é uma criminalidade cada vez mais equipada."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo – Extra
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